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Maria José Barzan

  De uma família numerosa, veio para São Paulo durante a infância e moraram no Rudge Ramos, bairro de São Bernardo do Campo. Sempre estudou em escola estadual e tinha o sonho de estudar Direito. Quando casada, mudou-se para São Caetano do Sul e abriram uma casa de carnes, mas ao saber que a USCS abrira o curso de Direito, foi atrás do seu sonho. Para tal, prestou concurso para trabalhar como guarda municipal, mas não se adaptou. No ano seguinte prestou concurso para trabalhar na USCS, e assim trabalhou por 14 anos no departamento jurídico e foi formanda da 2ª turma de Direito. Após um período de afastamento, atua em uma nova área, na secretaria da gestão do curso de Medicina. Sua filha mais velha graduou-se também em Direito na USCS. Imagem do Depoente
Nome:Maria José Barzan
Nascimento:26/12/1964
Gênero:Feminino
Profissão:Secretária
Nacionalidade:Brasil
Naturalidade:Barbosa Ferraz (PR)

TRANSCRIÇÃO DO DEPOIMENTO DE MARIA JOSÉ BARZAN EM 18/10/2017
Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS)
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC e Laboratório Hipermídias
Depoimento de Maria José Barzan, 52 anos.
São Caetano do Sul, 18 de outubro de 2017.
Entrevistadores: Priscila Perazzo e Luciana Cunha
Equipe técnica: Ileane Ribeiro
Transcritor: Letícia Jancauskas e Bruna Moura


Pergunta - Luciana:
Fala pra mim, por favor, o seu nome completo, data e local de nascimento.

Resposta:
Maria José Barzan, eu sou nascida em Barbosa Ferraz, Paraná, no dia 26 de dezembro de 1964. [risos]

Pergunta - Luciana:
Como foi, assim, a sua infância, o lugar que você nasceu? Quais lembranças você tem desde bem pequenininha?

Resposta:
Na verdade, eu nasci lá, mas eu vim muito pequena pra cá, então minha lembrança é São Paulo. Eu vim pra cá, eu tinha sete anos, então as maiores lembranças é daqui mesmo. Eu fui pra São Bernardo, de São Bernardo pra São Caetano e aqui estou.

Pergunta - Priscila:
Seus pais faziam o que lá no Paraná, o que eles tinham?

Resposta:
Comércio. Nós tínhamos padaria. Os meus irmãos acompanhavam o meu pai e minha mãe na padaria e aonde eles resolveram vir pra São Paulo porque não estava dando mais lucro e pra onde nós vamos? Eu com sete, somos uma família numerosa, somos em 13 filhos.

Pergunta - Priscila:
Você é a caçula?

Resposta:
Não, tem mais uma. Eu sou a 12ª. Aí não dava mesmo. Só um comércio pra manter não dava. [risos]

Pergunta - Priscila:
E onde fora, em São Bernardo, vocês se instalaram?

Resposta:
No Rudge. No Rudge Ramos, pertinho.

Pergunta - Priscila:
E abriram padaria?

Resposta:
Não. Aí cada filho foi pra um ramo. Como eu era pequena, eu só fui estudar, e os mais velhos foram pra trabalhar em... Meu irmão na Termomecânica, na época era o top. Meu irmão mais velho, que eu tinha uns 2 anos, ele era menino, engraxava sapato, engraxate, porque na época criança podia trabalhar. O outro chaveiro, e assim cada um o seu destino.

Pergunta - Priscila:
E o seu pai e sua mãe?

Resposta:
Meu pai é falecido há 20 anos.

Pergunta - Priscila:
Mas nessa época, ele...

Resposta:
Meu pai, ele foi trabalhar na prefeitura de São Bernardo e a minha mãe sempre dona de casa, a vida toda, né? Dona de casa em termos, porque minha mãe ia pra roça, trabalhava na roça, plantação, e quando ela veio pra São Paulo que ela deixou de trabalhar na roça e só cuidar dos filhos, porque antigamente eram as filhas mais velhas que cuidava dos irmãos.

Pergunta - Priscila:
E sua mãe reclamava de ter que parar de trabalhar na roça e ficar em casa ou ela...?

Resposta:
Minha mãe gostava de plantar, mas assim, ela costurava, plantava, mas ela nunca, minha mãe nunca, eu não lembro da minha mãe reclamar da vida, porque minha mãe tem 96 anos, e ela mora sozinha, ela lava, passa e cozinha.

Pergunta - Priscila:
E está lá no Rudge?

Resposta:
E está lá no Rudge. Rodeada de filho, mas está lá. Reclama hoje, é lógico, que ela tem dificuldade em caminhar, mas não quer a bengala, de jeito nenhum. ‘Por que eu vou usar bengala? Usa você bengala.' [risos] Bonitinha... E hoje é meu dia de dormir lá com ela porque cada dia vai um filho, porque embora ela mora sozinha, nós não vamos deixar ela dormir sozinha, então aos domingos estão todos os filhos lá, então a casa está sempre cheia e ela não reclama... É neto, bisneto, filho e se um filho não vai, ela liga: ‘Escuta, você não vai vir almoçar aqui hoje?' Bonitinha...

Pergunta - Luciana:
E ela faz a comida pra todo mundo?

Resposta:
Ela tem esse grande problema também, porque ela faz e deixa a gente ajudá-la e fiscaliza caso a gente não faça da maneira como ela quer.

Pergunta - Priscila:
Ela era boa cozinheira? Sempre foi?

Resposta:
Sempre. Excelente. Maravilhosa.

Pergunta - Priscila:
O que você lembra assim ou que ela faça ainda?

Resposta:
Ah, o arroz, feijão dela é maravilhoso, a carne de panela, é... Tudo que ela faz é maravilhoso... Tudo... Porque é comida de mãe, né? [risos] [5'] Carne assada, macarronada... Os netos e os bisnetos falam que é a macarronada da avó e ninguém chama ela de avó, se você perguntar quantos anos ela tem, ela vai responder: ‘Eu tenho 86 anos', ela não vai falar que tem 96. Ela nunca vai chegar... [risos] Bonitinha...

Pergunta - Priscila:
E são descendentes de imigrantes os seus pais?

Resposta:
É, os meus bisavós vieram da Itália, em 1888. Eu tenho toda a documentação, é que agora eu não lembro mesmo, mas vieram de navio, o nono Angelo e a Vitória, minha avó.

Pergunta - Luciana:
Por parte de mãe ou de pai?

Resposta:
Pai.

Pergunta - Luciana:
E por parte de mãe?

Resposta:
Por parte de mãe, eles são de Barra Bonita. É... Mistura, né?

Pergunta - Luciana:
E como vocês vieram pra São Paulo? Eram 15 pessoas.

Resposta:
Então, mas eu já tinha alguns irmãos casados que ficaram lá, os casados ficaram lá. Depois vieram, mas na época, nós éramos em 10 em casa, os solteiros e meu pai e minha mãe. Colocamos a mudança no caminhão e viemos.

Pergunta - Luciana:
De caminhão?

Resposta:
É, de caminhão. E cara e coragem, né.

Pergunta - Priscila:
E como era o Rudge nesse início dos anos 70 mais ou menos, quando você chegou aqui?

Resposta:
Era calmo o Rudge, porque eu lembro que eu morava perto, uma travessa da Roberto... da Senador Vergueiro. A gente já subia uns 100 metros e já era a avenida, a gente ficava sentadinho e passava os carros, ônibus, não tinha aquela... tinham foto do lado direito, pouco comércio, foi uma infância bem tranquila.

Pergunta - Priscila:
E a escola? Você foi pra qual escola?

Resposta:
Viriato Correia, também era perto.

Pergunta - Priscila:
Escola do Estado?

Resposta:
Sim, sempre. Minha vida toda estudei em escola do Estado.

Pergunta - Priscila:
Tem lembranças da escola?

Resposta:
Tenho, bastante. Minha mãe dando as moedinhas pra eu passar na lojinha, pra eu comprar os dadinhos. Sabe aquelas moedinhas? A gente ia lá, comprava...

Pergunta - Priscila:
As moedinhas eram balinhas?

Resposta:
Eram. Sabe dadinho de amendoim? Maria mole, doce de abóbora. Lembro do japonês que era dono da lojinha, e ia pra escola e brincando, uma infância bem calma e graças a Deus, amigos ainda tenho no Facebook dessa época, Facebook não, né, porque agora tudo é Face, né, mas na época era Orkut, mas agora é Face. [risos] Eles acham a gente, né! Eu tenho uma amiga, Lucélia Pulpo, que nós íamos juntas pra escola, é muito bacana isso, né? A internet, o poder que ela tem de aproximar as pessoas.

Pergunta - Priscila:
Essa amiga você perdeu contato e retomou?

Resposta:
Isso, exato. É, nós vínhamos, é, sabe aquela amiga que eu ia, passava na casa dela e nós íamos a pé pra escola? Então. Ela casou com um professor, o marido dela é professor e ela é secretária, só que ela mora em São Paulo e a gente conversa assim pelo Face mesmo. Bacana.

Pergunta - Luciana:
E aí sua infância foi toda em São Bernardo?

Resposta:
Foi.

Pergunta - Luciana:
Depois você veio pra São Caetano quando mais velha?

Resposta:
É, porque aí eu casei e nós compramos o comércio aqui em São Caetano, na Alameda São Caetano, porque na verdade quando nós estávamos em São Bernardo, o meu ex-marido, ele queria ir pra Londres e ele foi, e eu comecei a estudar loucamente o inglês pra ir, só que eu tinha a Bruna e a Yane, as meninas pequenas ainda, a Yane tinha 4 e a Bruna tinha 5 pra 6, ia pro primeiro aninho já e eu fiquei com medo de ir e deixar as meninas, ele disse que ia deixar com a minha mãe. Eu não queria deixar as meninas, sabe aquela mãe protetora? Eu devia ter ido na época, mas não quis ir, não tive coragem de deixar meus pais, minha família e deixar as meninas aqui [10']. Quando ele voltou, ele mexia com computador, programação, e ele não quis mais trabalhar com TI: ‘Porque eu não quero mais isso pra minha vida', aí a gente pegou o dinheiro que a gente tinha e montamos o comércio aqui: casa de carne, porque meu irmão tem aqui na Roberto Simonsen há mais de 30, quase 40 anos um açougue e: ‘Então eu passo 2 meses, aprendo com o seu irmão e montamos, você topa?', eu falei: ‘Topo!'. Eu tinha na época uma pré-escola ali no Rudge chamada Fada Madrinha, de 0 a 5 anos, de 3 meses a 5 anos, aí eu vendi a pré-escola, pegamos o dinheiro, mais o dinheiro que ele tinha, que ele trouxe, e montamos essa casa de carne lá na Alameda e ficamos lá por mais de 10 anos, ajudando ele.

Pergunta - Priscila:
Que Alameda?

Resposta:
Alameda São Caetano, lá no Rudge. Ali na Santa Maria, bairro Santa Maria. Perto da delegacia. Aí eu nem sabia que tinha USCS, na época o IMES, sério, eu fiquei vários anos aqui e não sabia que tinha faculdade, foi quando em 98 surgiu a primeira turma, acho que foi 97, a primeira turma do curso de Direito, e o meu sonho era fazer a faculdade Direito, aí eu falei com ele, falei: ‘Ó, eu vou prestar!', ele falou: ‘Ah, presta, vai, mas faz de manhã porque eu não vou deixar você estudar à noite', prestei, mas ele achou que eu não fosse passar, mas eu passei [risos], e aí eu comecei de manhã, mas aí ele não aceitou eu estudar de maneira alguma, porque eu fiquei, imagina, eu casei com 19, mãe super jovem, a Bruna nasceu eu tinha 20, saí já fiquei logo em seguida grávida da Yane com 21, mãe de duas crianças, trabalhava de segunda a segunda, era o braço direito e esquerdo do... né, aí ele se viu: ‘Espera lá, essa mulher está doida!', né? Aí eu peguei e fiquei fascinada pelo Direito, então aquela, eu me sentia e estudar era só o que eu queria, e ele foi contra, contra, contra, contra, aí eu cheguei pra ele e falei: ‘Olha, se tiver que escolher entre eu seguir o meu destino e ter que ficar com um companheiro que não me apoia a estudar, então eu não vou te responder, eu vou seguir o meu caminho' e foi o que aconteceu, nós ficamos 18 anos.

Pergunta - Priscila:
Casados?

Resposta:
É. Eu comi o pão que o diabo amassou. Com as duas meninas sozinhas, imagina, a Bruna tinha 15, a Yane tinha 13, ganhava super... Comecei como auxiliar administrativo 3, ganhava pouquinho, né, mas quando eu entrei aqui, quando eu separei, eu prestei concurso pra prefeitura pra ser Guarda Civil Municipal e ninguém me apoiou. ‘Você tá louca! Você vai ser guarda! Imagina a doideira! Você tinha um comércio e agora vai ser, era empresária e agora vai ser guarda civil municipal!' e eu falei: ‘Eu vou porque eu tenho que pagar minha faculdade e tenho que dar de comer para as minhas filhas' e fui, fiquei um ano lá, mas eu não me adaptei, aí e na faculdade eu não sabia que ia abrir concurso, pra cá não tinha noção, em um domingo na casa da minha mãe, aí a minha mãe ela tocou meu celular e era minha amiga Heleninha, ela falou assim pra mim: ‘Jô, você sabia que abriu concurso pro IMES?', aí eu falei assim: ‘Não', ‘Saiu no jornal, no Diário', aí eu falei: ‘Ah, eu quero! Quero! Nossa!', aí eu fui e comprei o jornal, né, fui no jornal, comprei, vi direitinho, aí fiz a inscrição, estudei pra caramba, graças a Deus passei e aonde eu consegui me formar, porque uma vez funcionário eu tinha bolsa, porque se eu não tivesse a bolsa eu não teria terminado, porque como eu paguei os 2 anos, não, os 3 anos foram assim, o primeiro ano eu estava casada, o segundo eu fiquei devendo, aí eu fui falar com o pessoal do DCE, consegui 6 meses e paguei o restante parcelado, aí como eu trabalhava na prefeitura, eu fui fazer estágio, então eu pedi pra trabalhar 12 por 36 e fazia estágio no jurídico na prefeitura [15'], então eu tinha bolsa integral, e quando eu entrei, eu já estava no 4º ano aqui, e aí eu consegui bolsa, aí falei: ‘Graças a Deus!', né!


Pergunta - Priscila:
Você entrou em qual departamento aqui na USCS?


Resposta:
No Núcleo de Prática e Pesquisa Jurídica, na época era o professor Oscar Garbelotto o coordenador, e depois foi o professor Luis Afonso Junqueira Sangirardi, não, antes foi o José Maria Trepat Cases e depois eu trabalhei diretamente com a professora Cristiane Vieira de Melo e Silva, que eu trabalhei por muitos anos e me ensinou muita coisa, minha amiga pessoal até hoje, que eu tenho a maior admiração por ela, foi minha professora na faculdade, então assim, muito bacana, a gente cria vínculos, e se tem uma referência na universidade é ela, de ética profissional, ela é procuradora do município de Diadema e professora aqui e coordenadora. [sussurra] É isso.


Pergunta - Priscila:
E aí você ficou o tempo todo no Direito?

Resposta:
Eu fiquei 14 anos lá. Fiquei 14 anos com ela lá trabalhando, organizando os eventos, porque como o departamento Núcleo de Prática de Pesquisa Jurídica é voltado só para os anos de quarto e quinto anos, não é que é voltado, é que a prática começa no quarto ano, né, quarto e quinto, mas assim, os eventos são voltados para todos os anos, todos os semestres e também tem toda uma estrutura, de baixa, de atividade, é estágio, se o aluno não atingir aquele estágio, não vai concluir o curso, eu fiquei meio cansada com aquilo, que eu falei que o que eu tinha que aprender aqui, eu já aprendi, eu não tenho mais nada pra aprender aqui, né, aí eu quis, eu tive a oportunidade de um monitor meu que se formou, trabalhou comigo três anos, que é o Abel, querido Abel, é como se fosse um filho pra mim e ele falou pra mim: ‘Olha, o dia que eu sair daqui, eu vou arrumar um serviço e vou chamar você pra trabalhar comigo' e ele fez isso. [Depoente se emociona] Ai, me emocionei, porque ele falou isso e aconteceu. E aí ele pegou e me ligou e falou: ‘Ó, eu estou com uma oportunidade aqui e quero que você venha trabalhar comigo', eu falei: ‘Eu vou.', aí eu pedi pro professor Bassi, ele me deu licença, um ano e eu fui trabalhar lá no departamento, no Santander, lá na São Bento, que é assim, o Santander contrata um escritório chamado Bosisio Advogados, que tem a matriz lá no Rio de Janeiro e uma filial aqui, até esqueci, acho que não é na Paulista, não, mas ali próximo à Paulista e eu fui, fiquei lá trabalhando no Direito do Trabalho, eu trabalhava no departamento da capital, de todas as ações passavam e como é setorizado, era tudo por programas, você entrava no programa, você olhava a petição e lia a petição e fazia os pedidos pra passar pra um outro escritório pra montar a peça, que era muita, a demanda é muito grande de ações, né e eu fiquei lá [20']. Quando venceu 1 ano, eu tinha que ou voltava ou ficava, só que eu moro há 2km daqui, são 6 minutos, lá eu demorava 1h30 pra chegar e 1h30 pra voltar, tinha greve, tinha chuva, eu não tinha vida, e lógico, ganhava mais? Ganhava, mas eu coloquei na balança e falei assim: ‘Entre ganhar mais e ter qualidade de vida, o que você prefere?', aí eu pedi pra voltar e voltei. Quando eu voltei, me ofereceram, tinham três vagas, mas as outras duas eram no Campus Barcelona que era mais longe e tinha essa vaga aqui na Medicina, aí eu falei: ‘Ah, não é a minha área' que eu queria realmente voltar pro Direito, mas trabalhar ou na defensoria ou, no departamento jurídico, porque são 5 anos de faculdade e 1 ano e meio de pós, aí você para e pensa, né: ‘O que eu estou fazendo na Medicina?'

Pergunta - Priscila:
E o que você está fazendo em Medicina?

Resposta:
Então, em contrapartida, assim, o bacana é: eu sempre procuro o lado bom da coisa, eu acho que o ser humano tem o dever de olhar o lado bom, não o lado ruim. ‘Ai, eu vou olhar o lado ruim só'. Ai, não é minha área, mas eu agreguei muitos amigos, são profissionais maravilhosos, hoje eu conheço um outro universo que eu não conhecia, os alunos de Medicina, embora eles... Os outros cursos tem uma visão errada, né. ‘Ai, curso de Medicina... ', não é isso! São alunos que vem de todos os Estados do Brasil, são jovens que ficam sem os pais, são jovens que tem que crescer muito rapidamente, que tem que lavar, passar, cozinhar, são pais que muitas vezes deixam de pagar um convênio médico pra poder ter dinheiro pra pagar a mensalidade, prioriza: ‘Ou eu pago a mensalidade do meu filho ou o convênio' ‘Ou eu compro o filé mignon ou eu vou viajar'. É lógico, em todo curso tem as suas exceções, aquele que tem fazenda e vem de helicóptero e como aquele que sonha e está ali batalhando como eu, como qualquer outro já passou por isso, porque muitos eu sei que tem dificuldade para terminar um curso ou parar. A minha monitora mesmo, a Vitória, que é uma graça de menina, ela não faz monitoria porque ela quer, ela faz monitoria porque ela precisa, então eu vejo esse lado bom, gosto muito dos professores, dos alunos, são uns amores, agora mesmo eu estava lá, a menina ontem, ela ligou pra mim, tem uma aluna da primeira etapa, né, ela ficou brava comigo ontem por telefone, por conta de um atestado, porque tem regras na universidade e muitos deles não entendem porque são muito jovens e não estão acostumados com regras, e aí hoje ela chegou lá me chamando de ‘Majuzinha', ‘Ai, Majuzinha!', eu cheguei pra ela e falei: ‘Ontem você brigou comigo', ela falou: ‘Então, eu briguei, mas você me desculpa?'. Então assim, eu me sinto muito mãe deles, porque eles são adolescentes. Dezessete, 18, 19 anos, tem os mais velhos? Tem, mas... Tem pai de família? Tem. Tem mãe? Tem avó? Tem! Tem avó também, mas a grande maioria são tudo adolescente, então eu vejo por esse lado, eu acho que eu fui lá pra ver um outro lado do... Um lado desconhecido. Mas eu quero voltar pra minha área, é óbvio.

Pergunta - Priscila:
Lá você faz a parte de secretaria da gestão?

Resposta:
A gestão de tudo [25']. O meu departamento é como se fosse um atendimento ao aluno, atendimento aos professores e é tudo, é uma gestão... Porque o que acontece, quando cai uma ligação na telefonista que fala que é Saúde, ela vai jogar pra Medicina e às vezes nem é Medicina, nem é da Medicina, eles não conseguem filtrar. Ontem, por exemplo, DP, o TI deveria ter colocado no sistema as fichas de DP, ter incluído no sistema as duplicatas, o valor, a mensalidade que é dividida em três vezes.

Pergunta - Priscila:
Os boletos?

Resposta:
Os boletos, inserido lá. Aí não conseguiu, eles não tinham conseguido inserir, eles falaram pros alunos que eles iam inserir, mas não colocaram. Isso é um problema da TI que deveria ter inserido, aí o financeiro deveria ter feito o quê? Chamado os alunos, mas como é lá o financeiro, o financeiro ligou pro atendimento ao aluno, lançou isso, imprimiu tudo pros alunos e ao invés de pedir pros alunos ir ao atendimento ao aluno, ligaram pra mim e mandaram pra que eu entregasse aos alunos, então eu tive que entrar no sistema, no SGA, pegar o telefone de todos eles, ligar e pedir pra que eles viessem buscar porque o prazo é dia 19. Então, por exemplo, se o professor chegasse agora e: ‘Ai, quero falar com o aluno tal. Quem é que tem que procurar?' Sou eu. Então ali são 420 alunos, são 72 professores, é muita coisa e a única funcionária lá sou eu. Tem o gestor, que é o professor João Bizário que eu amo ele de paixão, ele é maravilhoso, né, não é porque é meu chefe, não, eu falo: ‘Eu não puxo seu saco. Não é confete que eu estou jogando, não, de verdade. Porque quando você não era eu também gostava.' [risos], tem o professor Lúcio também, que ele além de professor, ele é o sub, né, e tem os coordenadores de etapa. Então uma vez por mês temos uma reunião, na quarta-feira que vem vai ter reunião dos coordenadores, tem reunião com os representantes de sala, porque o que o professor João faz uma vez por mês, uma reunião com todos os representantes de todas as etapas, são oito, todos os oito representantes discutindo, o que pode melhorar, quais as suas reclamações, o que você viu na UBS, o que você viu no ambulatório, o que está acontecendo no morfofuncional, como estão as aulas de cirurgia, aí os alunos vão pontuar, olha, aí ele faz um checklist, anota tudo, faz a reunião com todos os coordenadores de etapa, então o morfofuncional tem um coordenadora de etapa, que é a professora Sandra Ortiz, primeira etapa e segunda etapa tem o professor Márcio, terceira etapa a professora Rosinha e assim sucessivamente, aí ele vai e: ‘Olha, tá acontecendo isso, isso e isso. Então o que podemos fazer? O que vocês sugerem? Isso, isso e isso.' Pra quê? Pra ajustar, porque muitas vezes o aluno tem a reclamação, mas ele não consegue chegar isso ao professor e esse contato direto com o gestor facilita, porque aí é o gestor falando com os coordenadores.

Pergunta - Priscila:
E o curso de Medicina é dividido diferente então?

Resposta:
Então, é nome. Ao invés de falar 1º semestre, nós falamos 1ª etapa, são nomenclaturas diferentes, ao invés de você falar ‘ele está fazendo uma recuperação, P3', não, falamos que é uma ‘aceleração', então são nomenclaturas diferentes pra uma mesma... Porque a Medicina aqui, a metodologia é ativa, não é uma medicina tradicional.

Pergunta - Priscila:
O que significa isso?

Resposta:
A metodologia tradicional lá, o professor vai e faz a sua exposição em sala de aula, ele expõe o seu conhecimento, então o conhecimento do professor é limitado, ele aprendeu aquilo e ele vai ensinar aquilo. A metodologia ativa não, são tutorias, então uma sala de 60 alunos é dividida em seis grupos de 10, cada tutor vai ficar com 10 alunos só, então vão ser pequenos grupos, aí eles chegam de manhã os tutores, estudam o caso clínico, aí sempre tem um professor que lê o caso. Aí, um fala uma coisa, o outro discute o que acha, para que todos tenham a mesma linguagem [30']. Quando eles entram em sala de aula, eles vão fazer essa exposição, só que eles não são professores, eles são facilitadores, então eles vão facilitar, abrir o problema pro caso clínico e vão fechar aquele caso, só que aí o aluno, ele vai atrás, ele vai pesquisar na biblioteca, na minha biblioteca, na Evolution, nos livros, por isso que tem aquele espaço lá em cima que a gente chama de ‘Aquário', tem vários computadores e eles têm na própria grade, eles têm aulas, espaços para que eles possam fazer essas pesquisas e eles estudam muito e o professor vai facilitar, vai fazer o aluno pensar. O aluno obrigatoriamente, lógico, na primeira etapa, eles têm dificuldade, porque eles eram do método tradicional e isso é complicadíssimo, né, uns tem essa facilidade, outros não porque um é tímido, trava, mas quando eles começam a trabalhar com esse processo, eles não querem voltar pro antigo, porque eles vão à lousa, eles que escrevem, e assim é muito bacana, na última reunião inclusive que nós tivemos, o professor Richmann que é o coordenador da oitava que ele já estão indo pro internato ano que vem, então é a primeira turma, falou que está encantado com eles, porque eles são assim, tem uma facilidade e o que é bacana da Medicina que eu vejo é que os mais velhos dão aula para os mais novos, essa semana eu agendei três aulas da oitava, o Victor foi lá agendar que vai dar aula pra primeira etapa, e eles gostam de dar aula, gostam de ensinar, porque como eles não têm aula expositiva e nem pode, por quê? Porque quando você abre um problema, eles estão aprendendo não só ali na tutoria, como na UBS, no ambulatório, habilidades. É uma coisa integrada, né? No morfofuncional eles vão ver lâmina, então e é muito interessante, o aluno que aprende no primeiro semestre, não tem como ele esquecer, porque ele vai precisar disso, desse conhecimento, então a faculdade de Medicina é muito difícil, por isso que é caro, porque não tem como, um laboratório só de simulação realística é um absurdo, um robô só custa R$350 mil, um, então precisa e as pessoas olham de fora e pensam, olham muitos, muitos professores que eu conheço: ‘Por que tem essa diferença?', não, não tem diferença, é que você está vendo de fora, não tem, eu que estou, talvez se não estivesse lá, eu também olharia da mesma maneira, mas não tem, é que é preciso saber mexer com o quê? É com vida, nosso bem maior, então não tem como brincar com um curso desse e eu vejo que eles são assim, tem alguns que têm muita dificuldade, muita de psicológica mesmo, porque muitos é o pai que quer que seja médico. Essa semana, um pai chegou e a gente percebe que eles são do interior, eles chegam lá com aquele sotaque: ‘Maju!', eles me chamam de Maju, chegam lá: ‘Maju, Maju, Maju, meu filho! Meu filho!', eu sei quem é o filho dele. ‘O que aconteceu com o meu filho?' ‘Eu não sei o que aconteceu com o seu filho, eu adoro seu filho, seu filho é uma graça, educado' ‘É, mas eu só ouço falar isso dele, mas ele não vai bem na faculdade.' ‘Pai, eu não sei, deixa eu encaminhar você pro gestor'. Entrei no SGA, puxei todas as notas, tudo do aluno, cheguei lá e falei pro doutor João: ‘Doutor João, essa é a vida do aluno, te ajuda?' [35'], ele olhou [gesto positivo com a cabeça]: ‘Obrigada, Maju, ajuda. ', chamou o pai, mas o que o pai queria? Atenção, só isso, porque ele viajou dois mil quilômetros pra trancar a matrícula, porque ele sabe que o filho dele não [gesto de enrolar as mãos], se seu filho quer ser engenheiro, deixa ser engenheiro, geralmente os pais do interior, ele tem esse desejo ainda [gesto com a mão no coração] enraizado, muito presente ainda. ‘Eu tenho dinheiro, eu posso pagar e meu filho vai ser médico, porque meu filho vai ser médico'. E muitas vezes o filho não quer ser médico e aí não vai pra frente mesmo. Complicado, né?

Pergunta - Luciana:
E trancou a matrícula ou não trancou a matrícula?

Resposta:
Trancou. Ele falou, trancou a matrícula e falou: ‘Daqui seis meses, meu filho vai voltar e vai voltar outro. Porque eu quero que meu filho não seja conhecido porque ele é meu filho, eu quero que meu filho seja conhecido porque ele é o Patrick, Matheus Patrick'. E o menino é um doce. Eu tive a vontade de olhar pro pai e perguntar: ‘Pai, você já perguntou se ele quer ser médico?', mas eu não posso, né? [risos] Complicado.

Pergunta - Luciana:
Não é fácil.

Resposta:
E a maioria são filhos de pais médicos, a maioria ali. ‘Ah, meu pai é geriatra', ‘Meu pai é pediatra', ‘Minha mãe é ginecologista.', é genético. Lógico, tem histórias que é genética também. Nós temos um casal que são tutores, professora Rose e professor Eduardo, são casados e são professores e era da Unicid, né, muitos anos trabalhando na Unicid e vieram pra cá. Eles têm três filhos, Bruna que é médica, a Renata que é médica e professora também aqui e o Eduardo que agora entrou também, mas aí é diferente porque você vê que... e os pais são veterinários, eles não são médicos, são veterinários, mas você vê que tem vocação, é diferente, o menino agora entrou, está no segundo semestre e vai fazer intercâmbio, ganhou bolsa na Santa Casa, não é diferente? Não é um histórico diferente? Se não, ele não ia ganhar bolsa, ele não ia se destacar, não é? Então acho que é isso.

Pergunta - Luciana:
Então você foi a primeira secretária do curso de Medicina ou teve alguém antes de você?

Resposta:
Teve a Tati, que ela veio, mas ela não é concursada, as duas que ficaram antes logo no início, elas foram convidadas pelo professor José Lúcio Martins Machado, que foi o primeiro gestor que hoje é o gestor da Bela Vista e inclusive a Tati estava até aí, mas ela não é concursada, ela é RPA.

Pergunta - Priscila
A Tati está lá na Bela Vista, né?


Resposta:
Ela estava aqui hoje, foi trazer um material que ela pegou emprestado, está lá ainda.

Pergunta - Luciana:
E como você vê esse crescimento da USCS, essa mudança, como era USCS no início, quando você conheceu ainda como aluna e como foi esse processo.

Resposta:
Quando eu entrei, a USCS só tinha Barcelona e o curso top na época era Direito, porque eu sou da segunda turma e de lá pra cá ela só foi crescendo, muito rápido, de Instituto para Centro Universitário, depois Universidade, então agora com três campus, muito rápido, como eu te falei eu não sei nem quantos cursos, não sei se 36, não sei se 39 e estou tentando contar lá, acho que fecha com esses outros três, será que são 36? [40'] Nem sei. É, isso, graduação. Tem o EAD também, fora a Pós, Mestrado, Doutorado.

Pergunta - Luciana:
Você comentou que tem 2 filhas, né?

Resposta:
É, tenho duas.

Pergunta - Luciana:
Qual a idade delas?

Resposta:
Eu tenho a Bruna que tem 33, é formada aqui, ela é advogada e a Yane que começou aqui também, mas eu não sei por que ela fez, ela começou Direito, mas trancou. Eu perguntei pra ela: ‘Não sei por que você vai fazer Direito, filha', mas enfim, ela quis, falou: ‘Ah, vou voltar, vou terminar', está bom, eu também não pressiono, ela já está com 31 anos, ela sabe o que quer da vida, certo? Que quando eu quis, ela não quis, então agora ela está, não é verdade? Não vou... E a Bruna adora, advoga e adora, ela é trabalhista então ela faz trabalho e adora. Advogada trabalhista.

Pergunta - Luciana:
A Yane está trabalhando com alguma coisa?

Resposta:
Trabalha. Ela vende seguro. A Yane desde os 14 anos ela trabalha com seguro, manja tudo de seguro de carro, de vida, de tudo. Se precisar de seguro é com a Yane. Eu comprei celular, ela já quis fazer seguro: ‘Mãe, dá a nota fiscal aqui que eu vou fazer seguro', falei: ‘Caramba! Eu nem terminei... Calma!', ‘Não, eu vou fazer!' e já fez. Eu vou viajar: ‘Mãe, olha, eu vou fazer seguro porque você vai viajar', ‘Eu vou, é duas horas aqui de viagem.' ‘Não, eu vou fazer seguro!' e faz. [risos]

Pergunta - Luciana:
Como foi a reação da sua família quando você se separou porque queria continuar estudando?

Resposta:
Então, eu até me surpreendi, porque achei que a família fosse contra, mas o que mais me importava não era nem a opinião da minha família, era só a opinião da minha mãe. Só. Se a minha mãe falasse alguma, mas minha mãe sempre me apoiou, minha mãe, ela: ‘Não, filha, eu quero que você seja feliz. Você quer estudar? Vá estudar. Vá estudar. É isso que você quer? Vá estudar'. Foi isso que eu fiz e não me arrependi.

Pergunta - Priscila:
E quando você veio morar em São Caetano?

Resposta:
Quando eu vim é quando nós compramos a casa de carne aqui. As meninas eram pequenas, a Bruna tinha uns oito anos... não, acho que nove anos a Bruna tinha.

Pergunta - Priscila:
E onde era? Em qual rua de São Caetano era?

Resposta:
Eu morei ali na Alameda mesmo.

Pergunta - Priscila:
Onde era o nome da casa de carnes?

Resposta:
Santa Maria. Lá ali perto da igreja São Francisco. Não sei se você conhece aqui. Conhece? Então, não tem a igreja São Francisco? Ali. Perto do primeiro DP. Santa Maria. Trabalhei igual uma louca ali, mas trabalhei.

Pergunta - Priscila:
E agora aqui que você disse que é pertinho do Centro, onde é isso que você mora?

Resposta:
Eu moro aqui na Amazonas, ali perto da Candelária. Conhece a Candelária?

Pergunta - Priscila:
A igreja, né?

Resposta:
É. Moro ali. A janela do meu quarto dá de frente pra Candelária. Pertinho.

Pergunta - Priscila:
E sobre tanto São Bernardo, quanto São Caetano, como você vê as mudanças da cidade, o que você lembra que tinha que não tem mais.

Resposta:
Tudo. É tudo. Quando eu cheguei em São Caetano, você olha São Caetano há 25 anos atrás e hoje... Não precisa nem falar 25 anos. 10 anos, se você visse as construções, o comércio, é tudo. Mudou tudo. É muito diferente. Quem morreu 10 anos atrás se ressuscitasse, ia falar: ‘Olha, isso aqui é São Caetano?!', porque está muito diferente.

Pergunta - Priscila:
Só em São Caetano você está há 25 anos?

Resposta:
É, mais ou menos. Mudou muito. Muito condomínio.

Pergunta - Priscila:
Estilo de vida você acha que mudou?

Resposta:
Então, eu acho que com essa vinda do Shopping, ainda deu uma segurada no pessoal que mora aqui em São Caetano, porque sem o Shopping, o pessoal não fica aqui [45']. É só você prestar atenção no feriado, sexta é feriado, quando tem feriado aqui, São Caetano fica deserto. Pessoal não fica. Fica muito deserto. Eu vejo assim: quem tem comércio, eu principalmente quando tinha comércio, feriado é melhor fechar, não tem movimento, pessoal desaparece, ninguém quer ficar aqui.

Pergunta - Priscila:
E São Caetano é muito diferente de São Bernardo?

Resposta:
É porque São Bernardo eu não conheço muito bem porque São Bernardo é muito grande, ele é muito extenso, o que eu conheço de São Bernardo é o Rudge, que Rudge é encostado com São Caetano, então eu não tenho referência de São Bernardo. O que eu conheço de São Bernardo é Faria Lima, Marechal, então...

Pergunta - Priscila:
Quando vocês moravam no Rudge e precisavam fazer algumas coisas que até o próprio largo do Rudge não continha, vocês vinham mais pra São Caetano então a família?

Resposta:
Não, nós ficávamos em São Bernardo.

Pergunta - Priscila:
Lá dava conta de tudo que vocês precisavam?

Resposta:
É, porque tem o mercado que é ótimo ali, o Mercado Municipal, excelente aquele mercado. Em São Caetano a gente não tem aquele mercado. Acabou, lembra era um mercado ótimo, hoje não tem mais, mas no Rudge tem. Tem mercados ótimos também.

Pergunta - Priscila:
Loja, igrejas, escola...

Resposta:
É, tem a Igreja São João Batista enorme ali, Escola Rio Branco, Metodista, então é muito próximo também de São Caetano. Muito pertinho.

Pergunta - Priscila:
E ia pra São Paulo também quando precisava fazer as coisas?

Resposta:
Não, eu vou agora. [risos] Agora você acaba sendo obrigado a ir, que é muito mais barato tudo lá, né!

Pergunta - Priscila:
Em São Paulo?

Resposta:
Opa! Bom Retiro, Brás, se você andar por essas lojinhas aqui em São Caetano... [corte na gravação] Você vai no Bom Retiro e vai comprar por quanto?

Pergunta - Priscila:
Ela comprou lá, né?

Resposta:
Comprou lá, mas ela precisa sobreviver também. E aí como é que fica? Por isso que você anda e você vê quantos comércios fechados, aí você pensa assim: ‘Esse povo está vivendo do quê?'. Quantos comércios pra alugar, vender, e aí você começa a pensar: ‘Eu estou bem, eu estou trabalhando, eu tenho saúde', não é verdade? Eu tenho a minha irmã, eu tenho, olha, eu tenho a minha irmã que tem comércio aqui, que ela tem mercado, mercadinho ali mesmo na Alameda, só que lá em cima. Reclama pra caramba. Eu tenho um outro irmão que tem mercado também, na Lemos Monteiro. Reclama também que o movimento despencou. O meu outro irmão que tem casa de carne na Roberto Simonsen, aqui pertinho na Roberto Simonsen, chama Barzon, também trabalha que nem um doido, mas eu não quero essa vida pra mim, de comércio. Olha, sinceramente, não vale a pena. Ontem uma professora passou mal dando aula. Ela dá aula na Unicid, em Mogi, dá aula aqui, assumiu todas as DPs, aí ela veio pra dar um TBL, TBL é tipo uma aula temática sobre aquilo que eles estão aprendendo. Os alunos vieram lá: ‘A professora Cássia está passando mal', aí eu corri, fiquei preocupada. Ela estava mal, mal, mal. Tentei arrastar ela lá pra secretaria, chamei o professor, graças a Deus estava lá o professor Felício, que ele é médico, ele já pegou uns estetoscópios já, fez os primeiros exames lá, viu que estava tudo normal e ela chorando, chorando, chorando compulsivamente que ela queria voltar pra sala de aula, eu falei: ‘Cássia, eu não vou deixar você, nem que eu tenha que passar por cima de você hoje, não vou deixar você entrar em sala de aula, você não tem condições [50']. Para pra pensar. Você vai fazer o que lá? Você vai cair? Você vai morrer lá, é isso que você quer? Passar mais vergonha?' porque ela estava: ‘Meu Deus, que vergonha! Ai, nunca aconteceu isso comigo!', falei: ‘Você é um ser humano. Raciocina, para com isso! Pra quê isso?', ‘Ai, se eu ligar pro meu marido, ele vai ficar bravo comigo'. Eu não quero essa vida pra mim. Não vale a pena, né? Então, ó, desacelera um pouco. Eu acho assim, quando você chega depois dos 50, eu estou com 52, eu acho que a gente tem que ter consciência que você não tem mais 25, mesmo que você queira ter.

Pergunta - Priscila:
[Risos] Elas estão rindo de mim, que eu falo pra elas que minha cabeça pensa como 25, mas o meu corpo não responde.

Resposta:
Não, mas aí você tem consciência que a sua mente é de 25, olha que legal, você jovem, mas o teu corpo não responde, mesmo que você queira, então eu acho assim, eu falava pra ela: ‘Cássia, se respeita, se ame, para com isso.', ‘VOCÊ DISPENSOU OS MEUS ALUNOS! NÃO ERA PRA DISPENSAR!', ‘Dispensei. Você pode dar a bronca que você quiser, tá? Pode dar a bronca que quiser. Você não vai voltar. Você vai sentar, você vai tomar uma água, eu vou chamar um táxi, vou chamar teu marido pra vir te buscar, você vai pra casa, você vai descansar'. Gente, era nitidamente que ela não tinha... Então, sabe, você brigando com você mesmo. Ah, hoje eu liguei pra ela: ‘Cássia, você está de mal de mim ainda?', ‘Ah, desculpa por ontem, eu não estava bem'. E ela não está bem ainda, o médico receitou fazer uma tomografia, então é uma vida doida, né! Eu estou com uma amiga aqui, não sei se vocês conhecem lá do outro campus, passando por problemas seríssimos de saúde. Você conhece, professora Priscila, a Sandra Buglio?

Pergunta - Priscila:
É a Sandrinha?

Resposta:
Buglio, de licitação ou compras. Uma moça super jovem. Ela está com um câncer super agressivo, passando por um problema de saúde super complicado, aí você fala: ‘Pra que se desgastar?'. Eu não. Eu tenho consciência, eu tenho as minhas duas filhas e meus três netos, eu quero mais é curtir, só queria ganhar na Mega pra curtir um pouco as crianças, porque eu já não curti minhas filhas, você teve filho? Alguém tem filho aqui? Você tem? Não passa rápido? Não dá saudade? Você não trabalhou muito quando eles eram pequenininhos?

Pergunta - Priscila:
É, e agora dá saudades mesmo.

Resposta:
É, então. E agora eu queria curtir, eu já não fiz isso com as minhas filhas, agora com os meus netos está acontecendo a mesma coisa, e eu me pergunto: ‘é justo isso? Não é justo'.

Pergunta - Priscila:
Mas é como você disse, é a gente que tem que ter juízo, né?

Resposta:
É a gente que tem que dar uma [sinal de acalmar com as mãos]. É isso, é a minha história. Mais alguma coisa? [risos]

Pergunta - Luciana:
Jô, então hoje suas duas filhas são casadas, tem três netos.

Resposta:
Isso.

Pergunta - Luciana:
Você chegou a casar de novo ou não?

Resposta:
Não, eu não cometi o mesmo erro [risos]. Eu tive oportunidade, mas não tive coragem. Porque assim, quando você separa do seu marido, pai dos seus filhos, para você colocar um outro homem dentro da sua casa, ou você ir morar em uma outra casa, você tem que fazer escolhas, que às vezes se colocar na balança não vai valer muito a pena. Eu tinha as meninas muito adolescentes, e eu morria de medo de colocar qualquer pessoa por mais que...paixão nunca me cegou, eu sou capricorniana. Nunca, graças a Deus. Porque tem mulher que fica cega, alucinada, e esse defeito eu não tenho, eu tenho outros defeitos, mas esse eu não tenho, de ficar cega por paixão, eu não fico, consigo ver as coisas, então eu tinha muito medo. Quando eu pude e tive oportunidade, eu também não quis, porque o egoísmo sempre prevalece, e a Maria José não é sozinha [55']. A Maria José tem duas filhas, tem três netos, tem uma mãe e, se você quer ficar comigo, é o pacote e, para conseguir isso, é muito difícil. Eu não vou, de maneira alguma, jamais, por homem nenhum nesse planeta...tem mulher que consegue, ou tem mulher que tem sorte de achar um homem que aceite o pacote, mas não tive essa sorte. Então, jamais. Minhas filhas, minha família, meu porto seguro. É isso, então escolhi. São escolhas, né?

Pergunta - Luciana:
O que você acha que a universidade representa para você na sua vida?

Resposta:
Olha, eu sou muito grata [faz gesto de oração com as mãos] às USCS, por tudo. Aqui eu fiz muitas amizades, aprendi muito, sou eternamente grata. Gratidão à USCS, de verdade, por tudo. Isso aqui é uma escola, eu vou levar isso aqui para sempre, porque eu levanto de manhã, eu venho para cá, a maior parte da minha vida é aqui, e foi aqui que eu construí, foi aqui que fiz minha faculdade, é aqui que hoje eu posso falar que eu realizei vários sonhos. Tenho muitos outros sonhos para realizar? Tenho. Não sei se eu tenho ainda aquela garra, coragem, que eu tinha a 20, 30 anos atrás, mas ainda tenho. Eu sei que muita coisa muda, mas é o que eu falei no início, muda, mas muda para melhor, se você conseguir enxergar. Eu sempre estou procurando ver o lado bom. Precisa, porque se não... e é isso que eu faço. Mas eu sou muito grata, e eu quero aproveitar esse momento só para agradecer.

Pergunta - Luciana:
Tem alguma lembrança que você queria compartilhar, alguma história...

Resposta:
Registrar?

Pergunta - Luciana:
Que você lembre. Tem gente que às vezes não lembra na hora e lembra depois.

Resposta:
Eu tenho várias lembranças boas da USCS, mas eu tenho uma amizade em especial aqui, tirando a professora Cristiane que nós trabalhamos assim continuamente, mas em especial o professor Luiz Afonso Junqueira Sangerardi, ex-desembargador, que ele era muito especial como ser humano, porque ele era... sabe quando você fala: ‘ah, desembargador'. Ele desmistificou isso, porque ele era tão simples, tão gente boa, tão amigo, de compartilhar coisas pessoais, da vida dele: ‘ah, eu quero um conselho seu', sabe essas coisas de: ‘poxa vida'. E isso, uma vez, me marcou muito. Primeiro ele fez Direito, era advogado, advogou, aí ele foi promotor pelo quinto constitucional na época, aí ele foi ser juiz no Tribunal de Justiça, e lá teve a oportunidade de ele... porque tem uma lista tríplice que é indicado para ser desembargador. Ele chegou para mim e falou assim: ‘vem cá, vamos conversar, preciso de uma opinião sua'. Eu: ‘tá bom, professor'. Aí ele: ‘olha, eu recebi uma proposta, eu estou na lista tríplice para ser desembargador, mas eu estou na dúvida, porque eu não quero participar daquilo, eu acho que ser desembargador é muito chato. O que você acha?'. Eu falei: ‘o que eu acho? Eu acho que você recebeu um presente que você tem que participar! Lógico que você merece. E depois é tudo passageiro', eu falei para ele. Aí ele olhou para mim: ‘é, eu acho que você tem razão!'. Então, sabe essas lembranças boas que você fala: ‘poxa vida, é tão gostoso a pessoa pedir um colo', poxa vida, é gratificante isso [01:00']. A pessoa confiar e querer sua opinião, é sinal que você é respeitada, e ser respeitado é muito bom, na sua casa, porque está faltando muito isso! No mercado, na farmácia, na rua, no metrô, a política está aí e nós não somos respeitados por eles, então eu achei que fui privilegiada com a amizade dele, eu queria aqui também registrar isso.

Pergunta - Luciana:
Mas ele era professor aqui...

Respostas:
É, ele era coordenador de monografias, ele foi inclusive o meu, na época, ele que foi meu orientador, eu convidei ele para ser meu orientador. A professora Cristiane ficou com ciúmes [risos] mas não teve jeito! Não tive a escolha.

Pergunta - Priscila:
Tinha que por dois.

Resposta:
É, muito fofo. E ele chegava e na época não podia fumar no departamento, e ele chegava fumando [gesto de fumar com as mãos]. Eu falava assim: ‘professor, não faça isso, professor! Você sabe que não pode fumar em lugar fechado'. Ele falava assim: ‘você não vai falar para ninguém que eu sei, é só eu e você aqui' [risos]. Contava as histórias de quando ele era jovem, era gostosa essa relação, muito bacana. Faz falta, né?

Pergunta - Luciana:
Tem mais alguma coisa que você gostaria de deixar registrado, que gostaria de falar?

Resposta:
Não.

Pergunta - Luciana:
Se você quiser deixar...a gente está usando esse vídeo para o projeto dos 50 anos, a gente vai editar, tirar alguns trechos, se você quiser deixar alguma mensagem de todos esses anos que você está passando aqui dentro.

Resposta:
Então, a mensagem que eu gostaria... vou falar no improviso, que quando eu entrei aqui, eu era uma Maria José. No decorrer dos anos, eu fui aprendendo, me lapidando, conhecendo pessoas especiais, outras não muito. Eu cresci muito aqui dentro, tive oportunidade de fazer minha graduação, de fazer minha pós, de construir uma família. A USCS para mim é uma extensão da minha família. Quando eu acordo de manhã, eu não acordo, eu agradeço a Deus, eu falo: ‘Graças a Deus eu tenho meu trabalho e estou indo trabalhar'. Eu não entro com medo, eu entro grata. Então, a mensagem que eu quero realmente, nesses 50 anos que eu faço parte um pouquinho, são 16 anos, é gratidão por tudo, por tudo que eu recebi, por tudo que eu consegui. Para mim, USCS foi um presente. É isso!

Pergunta - Luciana:
Está ótimo. Obrigada!

Resposta:
De nada, obrigada a vocês e desculpa aí alguma coisa [risos].

Lista de Siglas
DP - Departamento Pessoal
TI - Tecnologia da Informação
UBS - Unidade Básica de Saúde
UNICID - Universidade Cidade de São Paulo
USCS - Universidade Municipal de São Caetano do Sul
RPA - não encontrado
EAD - Educação à Distância
DP - Departamento de Política
TBL - Team Based Learning


Acervo Hipermídia de Memórias do ABC - Universidade de São Caetano do Sul